– Doutora Nazaré?
– Pois não. Entre, Maria!
– Vim exercer meu “sagrado e constitucional direito à interrupção voluntária da gravidez”. Antes era chamado aborto, mas vi com uma Youtuber que agora é assim que se fala. Bom, minha família não sabe sequer que estou grávida. E meu namorado, a quem contei, vem insistindo que é um menino [nem fizemos ultrassom]; e que estará sempre ao meu lado e da criança. José, a senhora conhece, é o jovem proprietário da marcenaria do bairro. Começou na garagem, lembra? Fez vários cursos no SENAI e está se dando muito bem. Ah! Meu sonho é ser médica, como a senhora.
– … Ele me presenteou com esta mesa e com a estante, na qual guardo meus livros prediletos – e uma Bíblia [que ganhei na infância]. Mas, filha, se o garoto [como diz José] que está aí na sua barriga, crescer em sabedoria, ensinar da vida em abundância, disser que só o fato de pensarmos em tirar a vida de alguém, já é algo que desagrada ao Criador? E se o seu rebento se compromissar com um reino de amor, verdade, justiça e compaixão? E se for marceneiro, uma médica ou…
– … Doutora. Já ouvi essa história antes em algum lugar, não me lembro bem… Até tentei saber um pouco mais. Nos caminhões iluminados da fábrica de refrigerante, nas paradas de Natal ou nas decorações dos shoppings. Não encontrei quase nada… Confesso que sei mais de rena, trenó, fadinha e duende do que da fauna ou do folclore brasileiro.
– Sim, Maria. Essa história que está bem esquecida nestes dias é a do sobrenatural Amor de Deus. Nós a compreendemos pela graça – um favor imerecido. Não se trata de algo que se alcança com esforço humano, inteligência, “boas obras”, dinheiro ou poder. E eu tenho só uma pergunta a você, independentemente da sua crença: qual o “sagrado” ou “constitucional” direito de tirar a vida de quem nem teve o direito de abrir os pulmões e chorar?
– Compreendi, doutora. Toda vida é sagrada! Toda vida é um milagre!
– Vamos então fazer este pré-natal muito bem feito! Estou aqui para ajudar no que for preciso. Para conversar com seus pais, temos na nossa equipe uma ótima psicóloga especializada em orientação familiar. Além disso, não deverá interromper seus estudos. Já está quase encerrando o Ensino Médio! Meus antepassados africanos diziam: “para uma única criança, toda uma aldeia” [é necessária].
– Obrigada, doutora. Me dá um abraço?
– Claro, minha querida. E um Feliz Natal!